quinta-feira, 20 de abril de 2017

A mosca em abril de 2017 - 9 verdades, 1 mentira.

1) Ratos saíam da parede do meu quarto à noite;
2) Uma barata cor de feijão saltou e caiu, a partir do estouro da panela de pressão, na minha cabeça. 
3) O quarto da minha mãe era o único que recebia a visita do arco-íris;
4) Mefistófeles entrava através de um olho verde que acendia quando ligavam a vitrola;
5) Quando eu batia no tapete da sala à luz do sol, chovia pó-de-pirlimpimpim e eu voava como Peter Pan!
6) Depois de anos sem cortar e pentear o cabelo, um dia passei o pente e dele saiu um novelo de dar inveja a Rapunzel. 
7) Os livros me salvaram do bullying na infância e quase me mataram quando uma prateleira despencou na cabeceira da minha cama.
8) Sou viúva de pelo menos dois maridos: David Bowie e Steve Jobs.
9) Já morri mais de uma vez: numa delas, minha filha nasceu.
10) Tudo o que eu disse acima é invento.


Obs: versão do texto originalmente publicado no Facebook, a partir de uma corrente que pedia à comunidade em rede que enumerasse nove (9) verdades e uma (1) mentira sobre sua vida. Minha ideia foi debochar do comportamento egoico (selfie) em rede social, que atinge não só as fotos de perfil, mas os discursos veiculados na rede, a partri da frase e Manoel de Barros "Tudo o que não invento é falso" (BARROS, Memórias Inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.)

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

#27S2016 - a mosca em setembro (2016)

Teclo no microondas, a soja, 3 minutos, o café é solúvel nesse leite;
Teclo os primeiros olás do dia, é a maioridade do google na janela da minha vida em rede.
Teclo para observar o clima, pra onde vão as nuvens, pra onde o vento vira
command + control + rotina
Teremos reunião na Reitoria?
Só quem sabe é o cotista.
***
O percurso pelas ruas é o percurso de políticas
Para onde vão a arte e a educação?
Teremos reunião?
Não na reitoria!
***
Medida provisória: usar o anexo — lugar das artes.
Quem nos ata? Quem nos pauta?
Intermináveis processos
Até o café acabar
Até o estômago doer
Até a bunda achatar
(A reunião só terminou quando a fome não cabia mais no estômago)
A reunião mudou de nome e me acompanhou no almoço.
Foi por acaso.
O restaurante também — muito bom!
o papo, a língua, o aipim com salada.
Tudo regado à projetos de pesquisa e extensão
Até Beatrix aparatar e pedir a chave.
***
Daí aparatamos. No anexo — lugar das artes.
Reunião com alunos bolsistas é assim:
Primeiro a gente conversa, anuncia, delibera
Depois tudo vira discussão
Depois debate sobre educação
Depois, terapia de grupo.
Assim:
Pixação ou pichação?
Gentileza ou transgressão?
O professor virou mendigo?
Indigente. Indignadas, indignas, gentes.
O professor de artes, digo.
O café acabou.
O estômago dói, mas não é de fome.
A bunda, essa se recompõe. Mas e o resto?
E assim encerra-se mais um dia de iniciação à docência.
Patrocínio: capes, governo federal, deus (nos ajude).
***
Campus afora, rindo muito — só os alunos merecem minha risada.
Vaca de tetas divinas. Derrama o leite bom na minha cara.
O resto eu queria — deixa pra lá.
Eu volto sempre à pé pra casa.
Trajeto osvaldo, independência, moinhos, floresta, higienópolis.
Quase sempre o mesmo caminho: 6 km, 1:10h.
Engraçado hoje, justo hoje — dois desvios.
Uma amiga me parou na vasco.
Um irmão me acelerou na cristovão colombo.
Mas eu já vinha acelerada.
***
Agora, em casa:
Considerações finais sobre esse relatório do dia:
Teclo no microondas, a refeição, 3 minutos.
Teclo os últimos até-logos, na minha vida em rede.
Abro um vinho,
Brinco (com a cadela)
Teclo, teclo, teclo...
Teclo para concluir, sabendo que é mentira.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Faces that are worth to book


2009: agosto...



setembro...


outubro...



Antes disso, Face hasn't booked me at all.
Mais je suis sûr d'avoir déjà un visage.
Só não sei mais qual.

domingo, 6 de setembro de 2015

A banana interdisciplinar

Foto de Marcelo Rosa. Fonte: NPDiário

Das bananas produzidas e comidas inteiras, os macacos, graças a uma sofisticada tecnologia, passaram a produzi-las de forma separada. Casca pelos especialistas em cascas; polpa pelos especialistas em polpas.
Disponibilizadas em separado, casca e polpa seriam, segundo a antiga ciência, melhor absorvidas.
Com o passar do tempo, porém, cascólogos e polpólogos, cada vez mais especializados, foram especializando da mesma forma seus produtos, a ponto de torná-los irreconhecíveis.
Por convenção, a banana prosseguia sendo o alimento indispensável aos macacos; na prática, porém, a fruta amarela e alongada, doce e aromática já não era mais consumida. Gerações mais novas não saberiam reconhecer uma banana se a vissem inteira - havia, inclusive, quem conspirasse contra a sua existência.
Cascas e polpas, separadas, enegreciam rapidamente - seu sabor e textura eram desagradáveis. Continuavam a ser ingeridas por obrigação, por falta de opção e por apatia.
Foi quando jovens símios dissidentes passaram a preferir outros frutos integralmente cascudos e polpudos. Investidos de uma nova e desconhecida energia, evadiram dos refeitórios públicos e tradicionais, recusando-se a comer o que lhes era diariamente oferecido em vasilhas separadas.
Polpólogos e cascólogos, despreparados para uma demanda que escapava a sua especialidade, foram demitidos. O desemprego assustou alguns macacos poderosos.
Das instâncias superiores, decretou-se: é eminente que a casca e a polpa da banana sejam novamente reunidas!
O rebuliço tomou conta da macacada: como retomar a antiga e esquecida banana a partir de sua casca e polpa? Mutadas ao longo de décadas e décadas, uma não se ajustava à outra. Seria preciso partir do zero, redescobrir a bananeira original, onde quer que ela estivesse, e voltar a cultivá-la.
Muito tempo seria dispendido na leitura de alfarrábios, para reencontrar a banana perdida.

Desmoral: enquanto isso, no fundo dos quintais, é possível vislumbrar algumas bananeiras. Seus cachos são consumidos despudoradamente e, ainda que deconheçam o nome desses deliciosos frutos, eles são de longe os preferidos pelas jovens gerações dissidentes.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Miniaturas VIII - história de camponesa

Na falta de varão, foi defender as terras uma jovem donzela cujo sexo a armadura recobriu. Ela enfrentou o dragão e salvou uma linda princesa, que por sua heroína se apaixonou. Pensou a donzela: "o que mais vale: tornar ao campo ou atender à alteza?" Casou-se, pois, e rei se fez.

Bananarte 2


bananarte de Keisuke Yamada

Um dia, o macaco olhou para um cacho de bananas e ficou com vontade de mexer com elas, tão maravilhosas pareciam. Em uma delas grafou algumas palavras - e compôs um poema. Sobre outra coloriu a casca com pincéis e tintas - e produziu uma pintura. A seguinte, cortou delicadamente e esculpiu-lhe um novo formato.
- De que serve isso? - perguntou a macacada - bananas foram feitas para comer!
- Vocês têm razão - respondeu o macaco criador -, assim elas não servem à nada.
E riu livre, tão livre quanto o novo uso que dera às suas bananas, cujo destino não era o de serem comidas.

Desmoral: a arte pode ser útil, mas não escrava: não deve servir à nada, tampouco à ninguém.