quinta-feira, 25 de novembro de 2010




Eram dois macacos muito amigos, mas diferentes: enquanto um vivia em torno de bananas, o outro não sossegava, era curioso, sempre experimentando de tudo. Dizia este para o amigo:
— Que mesmice! Tu não fica entediado não, de comer só banana?
—  É uma fruta gostosa.
—  Há outras tão boas e até melhores.
—  Pra mim banana é suficiente. Pra quê mais?
—  Pra vida variar, pra ter outras formas de alegria...
—  Não sinto falta de outra coisa.
—  Prova essa manga.
E insistia, insistia, insistia.
Até que, para agradar o amigo ou por perder a paciência, o macaco provou uma manga. Disse que sim, que era gostosa mesmo. Doce e suculenta. Depois prosseguiu, muito feliz e tranquilo, na sua dieta exclusiva de bananas, da qual jamais saiu.

Desmoral 1 (para Ulisses): certos marujos nem precisam de cera nos ouvidos. São surdos por natureza.
Desmoral  2 (essa é para Ulisses também): obrigar não é a mesma coisa que seduzir. Que o digam as sereias.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O macaco original


Certo dia letivo, um macalescente tirou zero numa produção textual, logo ele, que era tão bom em macaquês. Por que?, perguntou ele, indignado. Responde a Macassora: porque não foi tu que escreveu. E leu um pedaço, bem alto, como quem pede a aprovação da macacada. Era um texto sobre mangas, suas variadas espécies e seus diversos sabores. Esse macalescente, além de preferir a fruta mil vezes às bananas que lhe ensinavam a comer, se divertia pesquisando tudo o que podia sobre elas. Por isso, protestou mais uma vez: fui eu, sim! Mas a Macassora insistiu no zero e só voltou atrás depois de uma conversa com os macapais.

Desmoral 1: É por não acreditar na originalidade que se produzem somente as cópias.
Desmoral 2: Onde só se ensinam bananas, falar em manga é contravenção.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

À chaq'un, sa mer, Rimbaud

Elle est retrouvée!
Quoi? L'éternité
C'est la mer mêlée
Au soleil


O Mar não é eternidade:
evapora e deixa apenas sal que arde.

O Mar não apazigua a alma:
liquidifica pés na areia
enterra cotos à imobilidade.

O Mar arrebenta paixões com seus repuxos
sacode os nervos.
Esbofeteia a boca assada
retrai rangendo espuma
e contra-ataca.

O Mar não é eternidade:
é prostração
é aniquilamento.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

EMILY (para Dickinson)


Emily é um diálogo
Entre a Poesia e a Morte.
Diz a Morte — dissolva-se!
E Emily: — Senhora, a minha crença é outra.
A Morte duvida —pois vem das profundezas —
Emily retira-se
Deixando só como evidência
O seu casaco e um poema.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Bananas juvenis

Com a boa intenção de orientar os mais jovens para uma gastronomia saudável, os macacos mais velhos resolveram criar um cânone para a produção de bananas. Após árduos estudos e muitas degustações, eles estabeleceram uma série de qualidades que, por sua vez, se prestaram à elaboração de uma lista de pré-requisitos a qual toda bananeira deveria atender, se quisesse que seu fruto - a banana - fosse indicado pelas escolas macacais ao jovem primata inexperiente.
Não é preciso dizer que as bananeiras ficaram em polvorosa: afinal, a perspectiva de ser destacada para consumo juvenil implicaria em óbvio aumento de produção e lucro garantido. Imediatamente, procuraram atender às normas prescritas, produzindo inúmeras bananas extremamente parecidas em aparência e sabor. Em todas, acrescentaram uma etiqueta com os dizeres "saudável e nutritiva" e uma ficha contendo informações adicionais sobre os seus componentes benéficos. Algumas chegaram a receber um anexo contendo uma série de sugestões criativas de melhor aproveitamento, para alegria do educador primata.
Uma pesquisa recente demonstra, contudo, que o jovem macaco deixou há muito de apreciar bananas, considerando-as apenas mais uma obrigação escolar. Nas horas de lazer, em casa ou no convívio com os amigos, preferem mesmo é chupar mangas.

Desmoral: até uma fruta deliciosa como a banana não resiste a uma imposição.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Mosca de agosto III


Toma por penhora, esses farelos
em troca da visão falida
- miopia.

Mosca sobre foto de Daniel Mastroberti

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Mosca de agosto II



Ahab, my friend.
I wish you're here.
(Mas não encontrei tua perna.)

Mosca sobre foto de Daniel Mastroberti

Mosca de Agosto - I



Ela pode ser mil pássaros, se quiser.
onde agulham os parvos
Ela rasga um raio
e atravessa a luz.

Mosca sobre foto de Daniel Mastroberti

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Sobre bananas emboloradas

Há muito tempo atrás, um macaco cego de fome engoliu uma banana com bolor e tudo. Imediatamente, percebeu que a vida fluía com grande prazer e que até mesmo as árvores dançavam de tanta alegria. Desde então, passou a não escolher mais bananas maduras e boas para o consumo, mas apenas as estragadas. Nenhum problema até aqui. O caso foi que os outros macacos não suportavam vê-lo mastigar iguaria tão nojenta e ainda obter disso alguma felicidade. As reclamações eram tantas que o Conselho Primata se reuniu e decretou a proibição do uso de bananas emboloradas como alimento. O pobre macaco se viu numa pior: não só passara a detestar as deliciosas bananas comuns, como não podia mais viver sem as deterioradas. Ficou tão doente que o Conselho o enviou para um tratamento médico.
Hoje ele está bem: a evoluída medicina símia conseguiu produzir um equivalente sintético do bolor presente nas bananas em estado de putrefação. Nosso querido parente já pode circular e comer junto aos outros, pois o equivalente sintético não só tem um aspecto muito agradável, como ainda exala um perfume inebriante, estimulando sua produção, seu consumo e - como não poderia deixar de ser - um comércio muito lucrativo.
Algumas caudas mais ousadas, porém, denunciam que o bolor sintético não apenas não se iguala ao natural, como vem exigindo, pouco a pouco, dosagens cada vez maiores para obtenção do mesmo efeito...
Desmoral: à macacada pouco importa o que e o quanto cada macaco consome, desde que mantenha a cara limpa.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Com Ciência e Arte

Ainda para conscienciarte: esse termo gerado a partir do neologismo concienciarte em espanhol eu encontrei pela primeira vez na Revista El Paseante, famosa entre os macacos e moscas mais atilados da década de 80. Era o tema da edição que abarcava a arte como ciência, ou a ciência como arte, ou ainda: um lugar onde a arte e a ciência se encontram e se misturam. Alguns moscões ainda voam por aí, em pleno Século XXI, acreditando que Arte não gera conhecimento, ou que Ciência se faz à exclusão da arte ou da estética. Mas não é bacana como essa palavrinha, em seu acento hispano, vira um verbo pra lá de completo?

domingo, 11 de abril de 2010

Flies and Monkeys

Só para conscienciarte: a ilustração do cabeçalho foi retirada em caça livre no Google, ao digitar "mosca" "macaco" e ver no que dava a mistura. Me apareceu essa figura do William Wallace Denslow para The Wonderful Wizard of Oz, de Frank Baum. Claro: Flying monkeys [Macacos voadores]. Mosca em inglês é Fly. E Dorothy não podia ser mais eu, sempre querendo ir além do arco-íris, desde que não haja um lugar como o lar. Afinal, somewhere over the rainbow, a hibridação entre macacos e moscas é possível, ainda que em outra língua.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Consumo

Consta que de uns tempos pra cá os macacos começaram a comer bananas compulsivamente. Nenhum problema quanto a isso: as bananeiras produzem bananas a mais não poder. Ocorre que, compulsivos, os macacos não apreciam o sabor da banana que consomem, nem conseguem mais diferenciar a caturra da prata ou da banana-maçã. Comendo por comer, já não distinguem a banana boa da banana má. Há quem diga que já nem banana comem, mas simples barras comestíveis que imitam o aspecto e o sabor. Também há quem diga que são as bananas que perderam o gosto antigo, tão apreciado pelos macacos. "Já não fazem mais bananas como antigamente", dizem os mais velhos. Os mais novos, porém, insistem em dizer que as bananas antigas é que não tinham verdadeiro gosto de banana.
Moral: É a partir do excesso que se criam as faltas.

terça-feira, 23 de março de 2010

O bem e o mal na ficção

Tem uma coisa que alguns autores precisam entender, em termos de regras de funcionamento para uma boa saga fantástica: o bem deve transformar o mal, não exterminá-lo. Transformar em quê? Ora, bananas: em BEM! Não, não é nem pra manter o interesse na trama: nada de Saga I, Saga II e a Saga continua, e a Saga etc. É por uma questão de força catártica, mesmo. Primeiro, porque aniquilar o Mal seria o mesmo que varrer o Bem da existência fabular. Segundo, porque para enfrentar o Mal e superá-lo, é preciso aceitar que o que era o Bem antes, jamais tornará a ser. Essa é a mosca mais difícil de engolir, pralguns macacos. Porque tem essa mania, né? De se querer que a coisas prossigam como sempre foram.
Perdão, garotos e garotas com boca, olhos e ouvidos: mas é que, depois que um estigma é carimbado em nossa testa, depois de se destruir um talismã tenebroso, tudo se transforma, e algumas coisas, ao contrário do que diz a física clássica, fatalmente se perdem.
O Mal, transformado, transforma o Bem.
E essa é a moral que a gente sempre deixa escapar.

segunda-feira, 22 de março de 2010

De como a visão é mais tátil do que parece

Experimenta: olha fixamente alguém que não está olhando para ti. Olha fixamente. Esse alguém pode estar de costas, pode estar prestando atenção em outra coisa. Olha fixamente.
E, então, o Alguém se volta, olha em tua direção.
Viu? O olhar toca, o olhar é tátil.
Só para conscienciarte.

domingo, 21 de março de 2010

O Macaco e a Mosca

Consta que o Macaco comia uma banana com casca e tudo, quando entre uma dentada e outra a Mosca se meteu. O Macaco, que afora vogais e consoantes não queria nada a ter com moscas de espécie alguma, não teve dúvida: e foi-se ela, com a casca e a asa e tudo.
Só que era uma Mosca Drosófila. Quando o Macaco viu, o estrago já estava feito. Desde então, à menor menção de bocejo, uma mosquinha nova sai voando por aí.
Moral da história: pior do que engolir mosca, é continuar a gostar de banana.