segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Mosca de novembro - Pentecostes

Mosca sobre foto editada a partir do original de Daniel Mastroberti
(para ver a versão do autor, clique aqui)

"...e de repente veio do céu um estrondo,
como de vento que soprava impetuoso...
E apareceu-lhes repartidas umas línguas de fogo
e pousou sobre cada um deles."*

O vento, ela amarrou ao cabelo.
Ao fogo, ela sorriu em outra língua:
- Stop!
Stared, it remains over her
para sempre, na fotografia.

*Atos dos apóstolos, cap II, v. 2 e 3.



HEXAGRAMA IV - INSENSATEZ JUVENIL (pra ler em ritmo de rap)


umaraivatipoberro_vemdiretodagoela - nãouviram

umabismo

táligado

e-eu_matiro

umavara / táligado / pro_meu / dese/quilíbrio - nãomeviram
ninguémrespooonde / ninguémmenxeeerga / ninguém_sutuuura_minha_veiabeerta
morro_pra_saberoimpacto / eufizumpacto

e-eu-e-eu-e-eu
e-e-e-eu-e-eu-e-eu
e-e-e-eu-e-eu-e-eu

fizum
fizum
fizum

pacto.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Mosca de setembro: Para Febo, para Siegfried


da árvore sou o centro
sou dafne
bruníssima
nem deusa
nem ninfa
nem fruta
nem galho.

(Mosca sobre foto Daniel Mastroberti)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

HEXAGRAMA III - DIFICULDADE INICIAL (Passeio na praia)

Em algum lugar, Céu e Terra se encontram
lá, onde tudo é plasma úmido e azulado.
A Terra é plana, o Céu é cúpula
- o que quer que digam os geólogos, os astrônomos, os físicos!
Se eu continuar no passo mole à sabor da brisa
alcanço o Ponto-sem-retorno, espio o universo e suas engrenagens.

Enquanto rumo em direção ao Norte
olhos postos no horizonte de areia, bruma e água salgada
o ar espessa às minhas costas
o chão responde em raios
o Mar se ergue em sinal de alerta:
a brisa apavorada me ultrapassa em velocidade de vento.

Me arrepia uma nuvem feia e enorme.
Perigo
- mas voltar não posso.
A areia covarde foge em sinuosas riscas
as ondas valentes se põem em guarda.
Ao Norte contudo o sol assemelha a vista a um lugar encantado.

Persevero, forçando o passo.
Mas há o muro de vento.
Petreficada em areia e sal, paro:
um borrão cinza tomou o sol.
Meia-volta: surpresa!
Ao Sul, o Céu azul e a Terra branca.

Estava certa: "Existe mesmo um Ponto-sem-retorno
impossível, onde o mundo se desfaz
e andamos sobre o Abismo."
Ao tentar transgredi-lo, vislumbrei suas engrenagens.

Até onde iria aquela nuvem negra, a provocar discórdias entre o Mar, a Terra e o Céu?
Exausta, acenei alegre aos que me esperavam, protegidos pelo guarda-sol.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Arte política, arte e política, arte ou política?

O macaco compôs uma música de protesto e foi bem sucedido entre a macacada. Mas desagradou o Líder Maior, pois a música denunciava mais uma de suas canalhices: aumentar clandestinamente o número da sua cota mensal de bananas gratuitas sem pedir aprovação do Símio Conselho.
O macaco-músico está preso, mas sua canção circula nesse momento por toda a selva, e não há quem não saiba a letra de cor. Se ela é capaz de provocar uma revolta contra o líder corrupto, não se sabe. Cantar e dançar é uma coisa, já engajar-se são outras bananas...

Desmoral: Os jornalistas não decidem se publicam a notícia na Seção Cultura ou na Seção Política.

sábado, 23 de julho de 2011

O macaco turista



Era um macaco que vivia pulando de galho em galho. De bananeira em mangueira, de abacateiro em coqueiro. Conhecia todo tipo de fruta, de árvore, de vegetação. Colecionava folhas e cascas, que exibia aos amigos. Estive aqui, estive ali, vi isso e vi aquilo.
Vagava um dia em floresta alheia, quando lhe perguntaram das frutas da árvore onde morava. Mas o macaco não soube descrevê-las, nem seu aspecto, nem seu sabor, ou porque nunca as provara ou porque as esquecera.

Desmoral: folhas e cascas, mas nenhuma polpa.

sábado, 9 de julho de 2011

HEXAGRAMA II - O RECEPTIVO (Queda de Lúcifer)


- Levavas a Luz contigo, mas ousaste refletir luz própria.
Agiste conforme a Razão e serás expulso.
- Serei punido por obedecer aos teus desígnios?
- Serás punido pela tua consciência.
E expulso, por teres te tornado a Outra Face.

Assim caiu o Anjo, repelido às profundezas de si mesmo.

domingo, 3 de julho de 2011

HEXAGRAMA I - O CRIATIVO (Vôo de Ícaro)


Compus com fogo, sebo e plumas a minha liberdade.
Sem buscar a razão, encontrei a coragem perdida.
Obedecia a ensinamentos antigos; agora libertei uma verdade minha.
Sou capaz de muito, de tudo, a partir de travesseiros e velas.
Cego pelo sol, eu me vi pelo avesso; cego, o calor foi meu guia.
Uma última questão queimou minhas retinas: poderia ter sido deus?

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A fruta proibida




Dizem que aconteceu na selva: um macaquinho, aceitando a sugestão da professora, pegou uma fruta exótica e levou para comer em casa. Chegando lá, não conseguiu descascar a fruta e perguntou para sua mãe como se fazia. A mãe ficou apavorada: aquela fruta era tida como mortalmente indigesta para filhotes de macacos. Indignada, foi até a escola e xingou a professora, que alegou não ter conhecimento algum sobre o perigo da fruta. A briga ficou tão feia, que foram parar na polícia. Autoridades foram chamadas, e alegaram que tudo não passava de superstição, tolice de ignorantes: a fruta era indigesta coisa nenhuma, isso estava cientificamente comprovado. A discussão foi longe e tomou conta do bando: uns eram a favor de eliminar a oferta da fruta, por via das dúvidas e em qualquer circunstância; outros diziam que, ao contrário, a fruta era indigesta aos jovens justamente porque não eram acostumados a comê-la desde cedo. Um terceiro grupo, mais moderado, defendia a idéia de processar a fruta em forma de suco ou papinha, de modo a adequá-la ao delicado corpo símio-infantil.
Faltou mesmo é perguntar ao macaquinho o que ele achava.

Moral: Até tu, frutus?


Foto: Rambutam, fruta rara de origem asiática. Dizem que é muito doce e saborosa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Bananas adaptadas



O jovem macaco só recebia, desde filhotinho, bananas previamente esmagadas: tinham medo, seus preocupados educadores, que ele comesse a banana com casca e tudo, ou inteira, e se engasgasse. Nunca lhes passou pela cabeça que poderiam tê-lo ensinado a descascá-las e mastigá-las bem, ele mesmo.

O jovem macaco cresceu, e deixou de comer bananas: não que não gostasse delas, mas jamais voltou a encontrá-las na forma que costumava comer, como um creme branquinho.

Um dia, porém, lhe serviram uma banana com bela casca amarela. Curioso, o nosso amigo observou como os outros faziam, abriu-a e, finalmente, a saboreou. À lembrança de sua infância, sentiu-se traído e enganado.

Moral: a banana, uma vez esmagada, dificilmente levará à banana inteira.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O que eu diria a Peter Pan se eu fosse Wendy

Morrer seria a mais fantástica aventura
Se não fosse tão solitária
- eu sei: eu já morri três vezes.

Na primeira perdi o sapato da infância
e ousei pisar descalça em Neverland.
Na segunda meu beijo deixou de ser dedal
e eu o escondi na comissura dos lábios.
Na terceira Jane abriu no mundo o seu espaço
e tomou parte do meu.

Em todas as três vezes que eu morri
ninguém morreu comigo, tampouco tu
que foste meu melhor amigo.

Morrer será a mais fantástica aventura, Peter,
mas nela voarei só
sem pó das fadas
sem companhia
e não volto mais.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Bananas acadêmicas



Especialistas em bananas se servem, em geral, de um dos seguintes métodos para suas pesquisas: alguns preferem estudá-las lançando um olhar amplo e abrangente sobre a bananeira como um todo ⎯ deduzem, através de cálculos e conceitos pré-estabelecidos, o cheiro e o sabor a partir da forma dos cachos, das folhas e da composição do solo; outros colhem uma banana e a experimentam, farejando e comendo, deduzindo a partir desta o sabor de todas as demais bananas da bananeira em questão. Os primeiros discursarão sobre uma banana essencial ou hipotética. Os segundos, de uma banana empírica, a única sobre a qual podem digressar, entre as demais variedades cujo gosto e sabor não serão conhecidos.


Haveria como gerar um conceito de banana ao provar o gosto de apenas uma? É possível descrever suas qualidades sem degustá-la?


Por conta dessa querela já arrastada em anos, muitos macacos esqueceram qual a finalidade de suas pesquisas: estão por demais envolvidos numa discussão que não se decide entre aceitar um resultado ora inalcançável, ora de antemão extinto.


Moral: Apesar de todo o pensamento, a banana existe.