Quando o macaco decidiu evoluir, emprestou-se sapatos e roupas. Achava que assim mais se aproximaria da aparência eterna dos deuses aos quais, conforme o Verbo, apregoavam-lhe assemelhar. Em sua incipiência, não podia saber que a vida é volutiva: um dia, desgasto o corpo e despida as vestes, o macaco torna ao bicho que sempre foi. De nada servem suas ciências, suas virtuais qualidades. É nu e viscerado que abandona todo falso pudor e toda hipocrisia. Retorna à espécie. E, ao retornar, morre.
Desmoral: Só vislumbramos o que realmente somos duas vezes: quando nascemos e quando morremos. Em ambas as oportunidades, não o sabemos.
sábado, 10 de agosto de 2013
quarta-feira, 17 de julho de 2013
quarta-feira, 20 de março de 2013
HEXAGRAMA V - A ESPERA
Não antes de a chuva cair,
ela dizia.
Sabia da
nossa impaciência, mas queria nos ensinar.
A cebola
devia ter um tamanho imenso, porque ouvimos o trucidar preciso durante todo o noticiário
do meio-dia.
Quando o
noticiário acabou, dando a previsão do tempo, gritamos todos: — Não vai
chover!
E ela respondeu,
por trás da nuvem de ervas aromáticas, vai sim.
A meteorologia, no entanto, assinalava o mapa com ícones de tempo bom.
A meteorologia, no entanto, assinalava o mapa com ícones de tempo bom.
Jamais, é claro, com o tom azul-esbranquiçado do céu devido à umidade diluída.
Um sol
brilhante e eletrônico na TV, e ela, lá na cozinha, afirmando seu conhecimento
sobre os conluios do tempo.
Dizendo não
há nisso nenhuma lógica!
E sem
olhar pela janela. Se olhasse, veria os passarinhos agitados imitando folhas
caindo.
— Na
televisão — insistimos.
Mas a
cebola se intrometeu, chiando para que nos calássemos.
Ela castigou a cebola tapando a panela e avisou vou preparar os tomates, sabendo que sempre pedíamos para ver.
Espetou
sem dó a primeira casca frágil.
Tocava-os
um a um no fogo redondo e azul, até que enferidassem.
Depois
jogava-os numa bacia e prosseguia a tortura, esmagando-os, até que houvesse
sangue em suas mãos.
Está
escurecendo, viram?
Pela
basculante aberta, entrava de fato um ar ventoso e fresco.
Os vapores das panelas adensavam em branco.
Um cheiro
insuportável de bom se espalhando, multidões de arroz e feijão cozidas e os
bifes encolhendo sob o
calor da chapa.
Está quase,
disse ela, sorrindo.
Encurralava-os,
armada de uma faca, uma escumadeira e uma gangue de colheres.
Sob o
estalo luminoso do primeiro relâmpago, nos fez sentar à mesa.
Sob o
roncar do trovão, empunhamos nossos talheres.
As travessas sendo trazidas uma a uma e os copos trepidando a cada trombada de nuvens.
Tudo e
todos à postos, lembro de sua silhueta à janela, amarrada em um avental,
emoldurada pelo vento decorado
com pó e folhas.
Seu
sorriso de bruxa.
Nosso
espanto de joão-e-maria.
Finalmente
descarregou-se a chuva.
Pontuávamos com o burilar dos talheres a música minimalista da aguaria.
E ela tagarelava novidades, entremeando:
Não botei
muito sal.
Ficou bem
passado?
Só mais um
pouquinho...
Ai das
sobras no prato.
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