segunda-feira, 30 de agosto de 2010

EMILY (para Dickinson)


Emily é um diálogo
Entre a Poesia e a Morte.
Diz a Morte — dissolva-se!
E Emily: — Senhora, a minha crença é outra.
A Morte duvida —pois vem das profundezas —
Emily retira-se
Deixando só como evidência
O seu casaco e um poema.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Bananas juvenis

Com a boa intenção de orientar os mais jovens para uma gastronomia saudável, os macacos mais velhos resolveram criar um cânone para a produção de bananas. Após árduos estudos e muitas degustações, eles estabeleceram uma série de qualidades que, por sua vez, se prestaram à elaboração de uma lista de pré-requisitos a qual toda bananeira deveria atender, se quisesse que seu fruto - a banana - fosse indicado pelas escolas macacais ao jovem primata inexperiente.
Não é preciso dizer que as bananeiras ficaram em polvorosa: afinal, a perspectiva de ser destacada para consumo juvenil implicaria em óbvio aumento de produção e lucro garantido. Imediatamente, procuraram atender às normas prescritas, produzindo inúmeras bananas extremamente parecidas em aparência e sabor. Em todas, acrescentaram uma etiqueta com os dizeres "saudável e nutritiva" e uma ficha contendo informações adicionais sobre os seus componentes benéficos. Algumas chegaram a receber um anexo contendo uma série de sugestões criativas de melhor aproveitamento, para alegria do educador primata.
Uma pesquisa recente demonstra, contudo, que o jovem macaco deixou há muito de apreciar bananas, considerando-as apenas mais uma obrigação escolar. Nas horas de lazer, em casa ou no convívio com os amigos, preferem mesmo é chupar mangas.

Desmoral: até uma fruta deliciosa como a banana não resiste a uma imposição.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Mosca de agosto III


Toma por penhora, esses farelos
em troca da visão falida
- miopia.

Mosca sobre foto de Daniel Mastroberti

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Mosca de agosto II



Ahab, my friend.
I wish you're here.
(Mas não encontrei tua perna.)

Mosca sobre foto de Daniel Mastroberti

Mosca de Agosto - I



Ela pode ser mil pássaros, se quiser.
onde agulham os parvos
Ela rasga um raio
e atravessa a luz.

Mosca sobre foto de Daniel Mastroberti

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Sobre bananas emboloradas

Há muito tempo atrás, um macaco cego de fome engoliu uma banana com bolor e tudo. Imediatamente, percebeu que a vida fluía com grande prazer e que até mesmo as árvores dançavam de tanta alegria. Desde então, passou a não escolher mais bananas maduras e boas para o consumo, mas apenas as estragadas. Nenhum problema até aqui. O caso foi que os outros macacos não suportavam vê-lo mastigar iguaria tão nojenta e ainda obter disso alguma felicidade. As reclamações eram tantas que o Conselho Primata se reuniu e decretou a proibição do uso de bananas emboloradas como alimento. O pobre macaco se viu numa pior: não só passara a detestar as deliciosas bananas comuns, como não podia mais viver sem as deterioradas. Ficou tão doente que o Conselho o enviou para um tratamento médico.
Hoje ele está bem: a evoluída medicina símia conseguiu produzir um equivalente sintético do bolor presente nas bananas em estado de putrefação. Nosso querido parente já pode circular e comer junto aos outros, pois o equivalente sintético não só tem um aspecto muito agradável, como ainda exala um perfume inebriante, estimulando sua produção, seu consumo e - como não poderia deixar de ser - um comércio muito lucrativo.
Algumas caudas mais ousadas, porém, denunciam que o bolor sintético não apenas não se iguala ao natural, como vem exigindo, pouco a pouco, dosagens cada vez maiores para obtenção do mesmo efeito...
Desmoral: à macacada pouco importa o que e o quanto cada macaco consome, desde que mantenha a cara limpa.